Atualmente, muito se fala em destaque, ou hype (afinal, palavras em inglês são mais atrativas e “valorizam” qualquer discurso). Empresas que possuem estrutura de governança corporativa e compliance são muito bem vistas perante o mercado, o público e autoridades governamentais, e, por isto, acabam se tornando hype.
Mas eventualmente, quando um litígio envolvendo o tema chega ao Judiciário, essa estrutura até então bem vista, se torna frágil. Afinal, políticas e manuais extensos descrevendo inúmeras normas, pouco impactam sem efetiva aplicação no dia a dia. A decisão proferida pelo Tribunal Superior (1) do Trabalho é um excelente exemplo disso:
[...] Embora se admita o caráter de soft law de referidos documentos – o que deveria orientar, portanto, o efetivo cumprimento das diretrizes lá estabelecidas, o requerente não trouxe aos autos provas de que os normativos ali dispostos serviram à finalidade almejada, evitando, assim, a prática de condutas que conduziram aos quadros de saúde dos trabalhadores. [...] Não é demais relembrar, nesse espectro, que o próprio Decreto nº 9.571/2018 (Diretrizes Nacionais sobre empresas e Direitos Humanos), prevê ser dever da empresa não apenas "utilizar mecanismos de educação, de conscientização e de treinamento, tais como cursos, palestras e avaliações de aprendizagem, para que seus dirigentes, empregados, colaboradores, distribuidores, parceiros comerciais e terceiros conheçam os valores, as normas e as políticas da empresa e conheçam seu papel para o sucesso dos programas" (art. 4º, IV), como "agir de forma cautelosa e preventiva, (...), a fim de não infringir os direitos humanos de seus funcionários, colaboradores, terceiros, clientes, comunidade onde atuam e população em geral". (art. 6º, I).
(1) TST. Tutela Cautelar Antecipada nº 1001033-17.2022.5.00.0000. Ministro Relator: Alberto Bastos Balazeiro. Data de Publicação: 09.nov.2022 (grifos nossos).
É de se ver que o Impetrante adota diversos programas para a gestão de suas atividades conjugada ao bem-estar de seus empregados, a saber: o Regulamento Interno da Organização Bradesco, o Código de Ética Corporativo, a existência de Pacto Global (com ações variadas do Grupo Bradesco relacionada ao bem-estar de seus empregados), a Política de Gerenciamento de Recursos Humanos (que orienta a ação do Departamento de RH), a Política de Diversidade e Inclusão, a Norma de Sistema de Gestão de Responsabilidade Social Corporativa, a Norma Programa de Integridade Bradesco, o Programa LIG VIVA BEM e o Programa de Desenvolvimento Organizacional para Melhoria Contínua das Relações de Trabalho.
um sistema formado por princípios, regras, estruturas e processos pelo qual as organizações são dirigidas e monitoradas, com vistas à geração de valor sustentável para a organização, para seus sócios e para a sociedade em geral. Esse sistema baliza a atuação dos agentes de governança e demais indivíduos de uma organização na busca pelo equilíbrio entre os interesses de todas as partes, contribuindo positivamente para a sociedade e para o meio ambiente.
O Decreto mencionado pelo Ministro na decisão, embora revogado no final de 2023 pelo Governo atual (que pretende instituir um Grupo de Trabalho responsável por elaborar uma Política Nacional de Direitos Humanos e Empresas, ou seja, ainda fará um documento com diretrizes essenciais para atividades profissionais em âmbito nacional), conceitua a essência do Programa de Governança Corporativa e Compliance: não deve apenas existir, mas pertencer à realidade da empresa.
Qual o significado dessa decisão judicial e da repetida certeza acerca da necessária efetividade do Programa de Governança? Para entendermos a relevância do tema, precisamos dar um passo para trás e entender o que é governança corporativa e os benefícios que ela pode trazer a uma organização empresária. A Governança Corporativa é definida como(2):
O conceito acima descrito é materializado através de documentos, como Códigos de Ética e Conduta, Regimentos Internos e uma infinidade de políticas e demais protocolos corporativos, que podem e muitas vezes devem ser criados, mas principalmente implantados nas organizações, incorporados na cultura comportamental, servindo como guias para a realização de atividades diárias, que não devem ser apenas de conhecimento interno, mas também externo.
Diante desse cenário, nos deparamos com o compliance, ou “conformidade” intrínseco ao conceito de governança corporativa, pois vejamos, a criação de normas, processos e estruturas organizacionais, se não aplicados na prática, agindo-se em desconformidade, portanto, com o escrito, não valem de nada. É o que podemos concluir quando analisamos tantos casos midiáticos, como Odebrecht, Lojas Americanas, entre tantos outros: apesar de terem uma estrutura declaradamente implantada, ao que parece as regras não eram praticadas.
Apesar de não noticiados com a mesma frequência, existem cases de sucesso. O Colégio Notre Dame de Lurdes, Instituição de Ensino de Cuiabá e cliente do nosso escritório protagonizou uma lide junto ao Ministério Público do Trabalho sobre a conduta de uma docente em desconformidade com o Código de Ética e Conduta corporativo. Nesse caso, além de ter recebido uma cópia do Código, a colaboradora também recebeu treinamento sobre o mesmo e, ainda assim, agiu em desconformidade quando realizou manifestações de caráter político-partidário, estigmatizando o líder do Poder Executivo em sala de aula.
Além da preocupação e dos custos com retratação, suporte jurídico e eventual desligamento, a empresa ainda precisa lidar com a repercussão interna e externa (quase imediata) que o descumprimento pode causar, também considerando a cultura do cancelamento.
Um Programa de Governança Corporativa e Compliance é essencial, mas imperativo é a aplicação prática dessas políticas, impressão das mesmas na cultura na empresa, através da realização de treinamentos e constante conscientização.
(2) Disponível em: https://www.ibgc.org.br/quemsomos. Acesso aos 18.jan.2024.
(3) Afinal, com o advento e domínio da geração Z, geração marcada pela inclusão e envolvimento direto com questões sociais cada vez mais presente no mercado, apresentando inovações para as gerações passadas, torna-se necessário se adequar à atual realidade.
(4) MPT. Inquérito Civil nº 000485.2021.23.000/0. Inquirido(a): Associação Beneficente Providência Azul. Procuradora: Marcela Guimarães Santana. Procuradoria Regional do Trabalho 23ª Região – Cuiabá. Julgamento aos 19.dez.2023.
(5) "[...] Frequentemente, no ambiente cibernético, as manifestações contra comportamentos considerados errados convertem-se em um linchamento virtual contra a pessoa responsável pelos atos, como uma forma de punição e uma maneira de realizar a justiça social. Disponível em: https://www.politize.com.br/cultura-do-cancelamento/. Acesso aos 26.fev.2024.
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