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Desafios atuais para o futuro das startups: o que é necessário acontecer?

De nada adianta a disponibilização de ferramentas e instrumentos se não houver equilíbrio


No último artigo desta série sobre startups, eu gostaria de refletir com os leitores sobre algumas preocupações extraídas da vivência prática, na área jurídica, acerca dos principais desafios atuais para o futuro das startups.

No primeiro artigo desta série[1], afirmei que o arcabouço jurídico, no que diz respeito ao empreendedorismo, está satisfatório (mas, como veremos ao longo do artigo, sempre é possível melhorar), o que não impede (e as estatísticas continuam demonstrando) uma alta taxa de mortalidade das startups.

Pelo menos 50% das startups morrem antes de 4 anos e 75% antes de 13 anos contados da sua fundação. Lendo ao contrário, significa dizer que a chance de uma startup passar dos 13 anos e ter perenidade em seus negócios é de menos de 25%[2].


No mesmo caminho, a pesquisa da Fundação Dom Cabral apontou que 38% das Startups não prosperaram por falta de dinheiro, 15% não conseguiram precificar os seus produtos de forma competitiva e, pior, em 35% os produtos não tinham market-fit (PMF – Product Market Fit – “adequação do produto ao mercado”, expressão criada por Marc Andreessen, fundador da Netscape[3]).

Mas então, o que é necessário acontecer?

Arriscaria dizer aqui que existem, pelo menos com conotação jurídica, quatro pontos que devem ser mais bem explorados pelos empreendedores e pelo legislador:

  1. Engajamento e alinhamento da contribuição dos sócios, seja em “smart Money”, seja em capital[4]. As possibilidades de investimentos e de atração de talentos são inúmeras, mas o real alinhamento na cultura corporativa, no plano de negócios e nas expectativas presentes e futuras muitas vezes, não. A desarmonia no seio societário leva à quebra da confiança e, naturalmente, a dificuldades na tortuosa batalha da estrada do sucesso da empresa[5].

  2. A governança corporativa[6], traduzida como transparência e ética, com comunicação eficiente, certamente ajuda a diminuir as assimetrias de informação e aumentar o engajamento dos sócios e colaboradores de uma forma geral no negócio. Ainda neste tema, as famosas letras “ESG”[7] podem contribuir para aumentar a sinergia interna e atiçar o apetite de investidores[8]. O mercado e as novas gerações estão cada vez mais atentos a empresas preocupadas com o seu entorno, mesmo que isto signifique, em tese, sacrificar o lucro imediato.

  3. A proteção da propriedade intelectual, o conjunto de direitos autorais e industriais[9], deve ser respeitado pelo empreendedor, pelos colaboradores e pelo investidor. A proteção contratual, com cláusulas elaboradas e extensas (profundas) e multas pelo descumprimento, são praxe no mercado. O problema é provar o descumprimento da cláusula de proteção à propriedade intelectual (como provar o “roubo” de uma ideia ainda não patenteada?). É por isto que muitas startups inserem em seus contratos também a cláusula de não-concorrência, proibindo ex-sócios e ex-colaboradores, detentores de conhecimento do negócio, de atuarem por determinado período, em determinada região, na mesma área de atuação, sob pena de multa.

  4. Por último, a adequação do valor de uma startup e a sempre complicada retirada do sócio da sociedade. Como apurar os haveres do sócio de uma startup?[10] Existem inúmeras formas de calcular o valor de uma empresa. Mas, como calcular o valor de uma startup, já que, muitas vezes, essas empresas apresentam complexidades que dificultam seu valuation, tais como: baixo faturamento, dúvidas nos caminhos do negócio somada a alta de taxa de mortalidade e a eventual saída de um dos fundadores? Na prática, os acordos de sócios — quando são elaborados e assinados — possuem cláusulas desincentivando a saída do negócio, dos sócios fundadores e estratégicos, seja através de lock-up, seja através de uma baixa avaliação do valor do negócio (valuation pessimista e não otimista) com pagamento dos possíveis haveres em suaves parcelas, dentre outros. Ou seja, é melhor desenvolver o produto, valorizar a empresa e vendê-la a terceiro do que sair na “metade do jogo”.

Ora, se Elon Musk afirma que a Tesla (a SpaceX vale mais de US$ 100 bilhões de dólares) engloba várias startups em uma única empresa[11]; se o Wework chegou a valer US$ 47 bilhões e perdeu, logo em seguida, em um ano US$ 39 bilhões[12]; se a ByteDance, startup mais valiosa chinesa (dona do TikTok), vale 200 bilhões de dólares; se o Uber registra prejuízos[13]; a grande pergunta que fica é: as startups funcionam?

Parece que sim, mas o caminho é tortuoso![14] Mas, de nada adianta a disponibilização de ferramentas e instrumentos (sejam eles jurídicos ou negociais) se não houver equilíbrio: é de extrema importância que haja menos oscilação nos valores das startups e mais confiança para que o combinado “não saia caro”.

A grande verdade é que independentemente de a empresa ser uma startup ou não, o importante é poder atuar com uma legislação moderna, que permita ao judiciário acompanhar a velocidade do ambiente de negócios (usos e costumes), a continuidade na atração de recursos financeiros e intelectuais, nacionais e estrangeiros, e uma constante busca para aperfeiçoar e incentivar o empreendedorismo, seja ele disruptivo, incremental ou não.

Futurologia à parte, inovação é a força motriz do futuro, e as startups, por serem empresas com fundadores de perfil empreendedor e muitas vezes visionário, são as mais prováveis condutoras dessa força, que permitirão o desenvolvimento de novas ideias e tecnologias que revolucionarão o mercado.

Aos empreendedores, desejo-lhes sucesso!


Para quem quer saber mais, recomendo assistir a série “We Crashed” da Apple TV+ que narra a ascensão e a queda da WeWork. Ainda, recomendo a leitura da “Carta aos Investidores da “BlackRock ESG Integration Statement”[15], documento elaborado por uma das maiores gestoras de investimentos do mundo com relação ao investimento sustentável em empresas que aplicam os preceitos do ESG em suas políticas de governança.


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[1] Vide: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-arcabouco-legal-das-startups-serao-necessarias-mais-leis-03052023. Acesso em 11.07.2023

[2] Dados da pesquisa: “Causa da mortalidade das startups brasileiras: como aumentar as chances de sobrevivência no mercado”. Fundação Dom Cabral. Disponível em: https://acervo.ci.fdc.org.br/AcervoDigital/Artigos%20FDC/Artigos%20DOM%2025/Causas%20da%20mortalidade%20das%20startups%20brasileiras.pdf. Acesso em: 17 abr. 2023

[3] Disponível em: https://www.cbinsights.com/research/startup-failure-reasons-top/. Acesso em: 11.07.2023

[4] Sobre ciclo de investimento, conferir: REMESSA ONLINE. Fases de financiamento: entendendo o momento da sua startup. 2021. Disponível em: https://www.remessaonline.com.br/blog/fases-de-financiamento-entendendo-o-momento-da-sua-startup/. Acesso em: 10.05.2023.

[5] De acordo com a lição de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves, o princípio da boa-fé objetiva é a mais imediata tradução do princípio da confiança e impõe aos contratantes a atuação de acordo com determinados padrões de lisura, retidão e honestidade, de modo a não frustrar a legítima expectativa e confiança despertada em outrem. (Novo tratado de responsabilidade civil, 4ª Edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2019)

[6] Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa: Governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas. As boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum. Disponível em: https://www.ibgc.org.br/conhecimento/governanca-corporativa. Acesso 11.07.2023

[7] ESG, em sua essência, é o meio pelo qual as empresas podem ser avaliadas com relação a uma ampla gama de fins socialmente desejáveis, com foco em “environmental, social and governance”. ESG descreve um conjunto de fatores usados ​​para medir os impactos não financeiros de determinados investimentos e empresas. (Fonte: Harvard Law School – Forum on Corporate Governance – Introduction to ESG)

[8] Vale a leitura das seguintes reportagens sobre o tema: https://valor.globo.com/financas/noticia/2023/07/03/empresarias-lancam-1o-escritorio-de-assessores-de-investimento-focado-em-esg.ghtml

https://www.infomoney.com.br/onde-investir/marco-global-relatorios-esg/. Acesso em 11.07.2023 e, https://capitalaberto.com.br/secoes/reportagens/fundos-anti-esg-perdem-rentabilidade-e-apelo/?utm_campaign=newsletter_-100723_base_geral&utm_medium=email&utm_source=RD+Station. Acesso em 11.07.2023

[9] Lembrando que o INPI negou, em 04 de julho de 2023, pedido da grife francesa Christian Louboutin para proteção da marca de posição, aquela que é reconhecida pela aplicação de um sinal em uma posição singular e específica em um produto que permite a distinção para outros comercializados, não obstante a Portaria nº. 37, do órgão federal. Algo que merece aprofundamento e estudo.

[10] LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO – Apuração de participação social – Perito judicial que pleiteou a apresentação de documentos dos últimos cinco anos de negócios empresariais – Confirmação na r. decisão agravada – Inconformismo recursal que defende a desnecessidade dos documentos solicitados, pois devem ser levados em consideração somente os relativos ao momento anterior à retirada societária, aplicando-se o método do balanço especial de determinação – Impertinência – Provimentos judiciais nas duas instâncias que levaram em consideração as circunstâncias especiais da situação litigiosa, disciplinando que a apuração também deveria contemplar as expectativas de crescimento futuro da startup – Impossibilidade de alteração do título judicial – Questão preclusa – Entendimento agravado mantido – Recurso não provido. DISPOSITIVO: Negaram provimento ao recurso.

(TJ-SP – AI: 20340944220208260000 SP 2034094-42.2020.8.26.0000, Relator: Ricardo Negrão, Data de Julgamento: 17/09/2020, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 17/09/2020)

[11] Leia em: https://istoedinheiro.com.br/tesla-e-uma-cadeia-de-startups-diz-elon-musk/

[13] Vide: https://valorinveste.globo.com/mercados/renda-variavel/empresas/noticia/2023/02/08/lucro-do-uber-supera-projecao-no-trimestre-mas-prejuizo-fica-em-us-94-bi-em-2022.ghtml

[14] Nos faz lembrar a frase de um antigo provérbio Iídiche, de autoria desconhecida: “O homem planeja, Deus ri”.

[15] Texto original em inglês disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.blackrock.com/br/literature/publication/blk-esg-investment-statement-web.pdf


Artigo publicado originalmente no site www.jota.info, em 09 de Agosto de 2023.

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