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Penhora de criptomoedas: desafio à recuperação de crédito

Nos últimos anos, as criptomoedas se tornaram um ativo cada vez mais popular, transcendendo a esfera dos entusiastas da tecnologia e se integrando aos portfólios de investimento de pessoas físicas e jurídicas. Essa ascensão meteórica, impulsionada pelo potencial disruptivo da tecnologia blockchain[1] e pela promessa de descentralização e autonomia financeira, coloca novos desafios para o sistema legal, particularmente no que se refere à apreensão e execução de criptomoedas em caso de dívidas.


O Art. 835 do Código de Processo Civil disciplina a ordem a ser seguida nos casos de penhora de bens, sendo o dinheiro em espécie ou depositado o primeiro item da lista. No entanto, ao contrário dos ativos tradicionais, as criptomoedas apresentam características únicas que dificultam sua apreensão e penhora. Sua natureza descentralizada torna a localização e o rastreamento dos ativos um desafio complexo, em paralelo às limitações tecnológicas as quais o Judiciário está sujeito.


A fim de melhor entendermos como se dá a manutenção das criptomoedas dentro de um portfólio, é importante conhecermos as duas formas de manutenção de propriedade desse tipo de ativo: 1) através de uma wallet com chave de segurança própria do indivíduo, que é um dispositivo físico ou software que intermedeia o acesso ao blockchain e ao endereço dos criptoativos; 2) através de uma exchange, que é uma corretora de criptoativos que fica com a custódia das chaves de segurança, funcionando de forma semelhante às corretoras de investimentos.


Em se tratando de penhoras, os criptoativos localizados em exchanges podem ser bloqueados através de ofícios enviados às corretoras, da mesma forma que ocorre nos bloqueios judiciais de conta bancária. No entanto, em relação aos criptoativos assegurados em wallets, a penhora deve ser realizada através de oficial de justiça, ficando a encargo do devedor informar a senha de acesso. Nesta última hipótese, a penhora é mais complicada, pois o juiz só poderá expedir mandado de apreensão do dispositivo após restar evidente que o devedor detém os criptoativos alocados em hardware. Pelo fato das criptomoedas serem ativos digitais, descentralizados e sem lastro, sua localização é complexa e, consequentemente, o rito de execução para penhorar esse tipo de ativo é prejudicado.


Nesse sentido, o deputado federal Paulo Eduardo Martins (PL-PR) criou o PL 1600/22, que elenca os criptoativos no rol do Art. 835 do Código de Processo Civil e veda o acesso pelo Poder Judiciário à chave privada das wallets dos usuários, além de apresentar alterações significativas na legislação processual e estimular o debate no Parlamento acerca do tema. Observa-se, portanto, que o Congresso ainda não encontrou soluções concretas para a penhora de criptomoedas alocadas em wallets, além da alta volatilidade inerente ao mercado de criptomoedas levantar questões sobre a determinação do valor justo a ser penhorado.


Jurisprudencialmente, ante a inexistência de regulamentação legal acerca do tema, alguns julgados recentes (vide TJ-SP - AI: 20396283020218260000; TJ-PR - AI: 00 265069420208160000) estão equiparando os criptoativos aos títulos e valores mobiliários, que se encontram disciplinados no Art. 835, III[2] do CPC, para que a execução possa ser efetuada.


Apesar dos desafios, a apreensão e execução de criptomoedas revela-se crucial para garantir a efetividade do Poder Judiciário, além de proteger os direitos dos credores, principalmente em um contexto em que os criptoativos passam a integrar uma parcela maior dos portfólios de investimentos.

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[1] “A blockchain é uma espécie de sistema compartilhado e imutável que facilita o processo de registro de transações e rastreamento de ativos em uma rede. A tecnologia blockchain pode ser definida como um livro de contabilidade digital, transparente e imutável, que registra as transações de forma pública e imutável, gerenciada por uma rede de computadores espalhados pelo mundo. O Bitcoin e outras criptomoedas são baseadas na tecnologia blockchain, permitindo transações financeiras seguras e descentralizadas.” BRAGADO, Louise. Blockchain: o que é, como funciona e para que serve? Época Negócios. 07 maio,2022. Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/Tudo-sobre/noticia/2022/05/blockchain-o-que-e-como-funciona-e-para-que-serve-entenda-seo22.html. Acesso em: 14 mai. 2024.

[2] Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: III - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado.

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