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Por que a locação de residência para empregado, pela empresa, não é locação residencial?


Nem sempre a operação da empresa se realiza apenas em galpões ou lojas; pode se dar também em imóveis destinados à residência, como é o caso de apartamentos que são locados para que neles resida um diretor ou, por exemplo, para estabelecer por algum tempo um engenheiro que tocará uma obra distante de seu domicílio.


São situações a cada dia mais usuais e a lei das locações cuidou delas (Art. 55. Considera – se locação não residencial quando o locatário for pessoa jurídica e o imóvel, destinar-se ao uso de seus titulares, diretores, sócios, gerentes, executivos ou empregados), classificando tais locações como “não residenciais”, ou seja, dando maior relevância ao contratante (a locatária empresa) e à destinação (uso de empregado, etc.) do que à natureza do imóvel (residencial). 


Inserir a locação dentre os ativos da empresa locatária tem como consequência prática gozar, essa relação contratual, das liberdades que a própria lei confere às locações não residenciais, amplitude cuja tendência é aumentar, devido ao saudável liberalismo que parece nortear a atual legislação e os melhores projetos de lei em trâmite. 


Essa previsão – tratar-se nessa hipótese de locação não residencial – foi inovadora (nada existia a respeito na lei anterior), traduzindo (como quase a totalidade da lei de 1.991) o estágio maduro da interpretação jurisprudencial. A conclusão dos tribunais foi levada para o texto da lei.


Realmente, este era, à época da discussão do projeto que resultaria na lei das locações, o pensar (quando julgou a apelação n.247) do especializado 2º Tribunal de Alçada Civil paulista: “a proteção concedida pela Lei 6.649/1979 à locação residencial teve em mira atender à necessidade social de moradias. Esta inexiste quando é pessoa jurídica que figura como locatária, mesmo que o prédio se destine à moradia de um diretor. É que, no caso, a moradia desse diretor se integra entre os elementos com que a empresa conta para sua atividade, que não é residencial […]”, na letra do Desembargador Boris Kauffmann (que, mencione-se, presidiu com maestria o 2º TACSP). 


Como se observa, a lei das locações estampou a compreensão judicial, coerente com a expressada pelos atores do setor e aplaudida pela doutrina, como se vê na lição do importantíssimo professor Gildo dos Santos: “[…] O que avulta, no caso, é o fato de a empresa, no seu interesse, oferecer moradia àqueles que são seus colaboradores (sócios, diretores, empregados), do que decorre, nitidamente, que não se trata de locação residencial propriamente dita […]”.


O mestre de sempre, Sylvio Capanema de Souza seguiu a mesma linha e disse que “A lista, entretanto, não é exaustiva, e sim exemplificativa. O que importa é que a pessoa jurídica tenha alugado o imóvel para servir de residência a alguém ligado às suas atividades ou objetivos, pagando o respectivo aluguel”. 


Na realidade, a natureza ou vocação convencionada do prédio é preservada, mas o tratamento deste contrato de locação é determinado com especificidade pela Lei, exatamente para contemplar o desenvolvimento empresarial, não lhe impedir a consecução, nem tampouco afrontar a evidência de que aquele ativo está destinado para o uso previsto pela empresa, em favor de seu objeto. Daí o exemplo do engenheiro que, para trabalhar pela empresa em local distante, teve disponibilizada moradia – mercê de um contrato de locação de imóvel residencial, celebrado entre o locador e a empresa empregadora.


Nada diferente do que ocorreria com qualquer bem: uma geladeira pode servir para a guarda de alimentos na casa de uma família, ou ter a mesma função direta no refeitório de uma fábrica. O mesmo objeto terá em cada situação um tratamento jurídico distinto: lá, até a proteção como bem de família; aqui, um ativo fixo sujeito a determinações da empresa, a amortizações, penhorável. 

É bem compreensível que diversos contratos integrem os ativos empresariais, que não são compostos somente por prédios e máquinas: é o caso dos contratos de franquia, dos contratos de locação em pontos comerciais privilegiados, dos contratos de propaganda, etc. Todos eles estão voltados ao atingimento do fim empresarial, todos eles contribuem para a valorização (ou, conforme o caso, desvalorização) do estabelecimento.


Nessa lógica, o tradicional comercialista Barreto Filho ensinava que “estabelecimento comercial” consistia no “complexo de bens lato sensu organizados pelo empresário como instrumento para o exercício da atividade empresarial.” 


Bem por isso e em perfeita coerência com a previsão da lei das locações, o art. 1.142 do Código Civil (e o seu didático parágrafo único) dispõem que: “Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.”§ 1º O estabelecimento não se confunde com o local onde se exerce a atividade empresarial, que poderá ser físico ou virtual.”


Ou seja: a lei garante a relevância do intento de uso (e do contratante) sobre a característica (residencial) direta ou física do bem, e de estar o direito do locatário decorrente desta determinada locação integrado ao estabelecimento empresarial.


Estamos, enfim, diante de uma daquelas situações em que o “ser” cede, em certa medida, à “razão de ser”, nada de novo para os filósofos: “Uma espada nunca matou ninguém; é apenas uma ferramenta nas mãos do assassino”, disse Sêneca (4 AEC/65 DEC) na Roma antiga. 


Ou, para que não nos iludamos ao ver uma residência e possamos enxergar um item do estabelecimento (a realidade), vem a sempre romântica lembrança de que “O essencial é invisível aos olhos” (Antoine de Saint- Exupéry – 1900/ 1944). Também no mundo dos contratos…


Artigo publicado no site www.imobireport.com.br, em 14/10/2024.

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