Nos anos 1940, a “Mineração Geral do Brasil” construiu 500 casas em Mogi das Cruzes para os seus empregados; naquela década e nas seguintes foram construídos vilas e prédios em todo o país, voltados à moradia dos empregados desta ou daquela indústria.
Igualmente, foram construídos vilas e prédios residenciais com unidades destinadas unicamente à locação; muitas dessas vilas se transformaram em locais disputadíssimos, seja para residência, seja para instalação de lojas e escritórios sofisticados.
A destinação à moradia de empregados sofreu diante da evolução das leis laborais; o tratamento fiscal desfavoreceu esses empreendimentos; a evolução dos costumes e das relações de trabalho findou deixando no passado aqueles conjuntos residenciais; assistiremos muita mudança, ainda, conforme oscilem as vontades e as necessidades sociais.
Já a construção para a locação residencial teve também os seus percalços seríssimos, ora consequentes da legislação extremamente protetiva (exageradamente, a ponto de prejudicar os pretendidos destinatários das benesses, em clara sequência semelhante à dos vasos comunicantes: enchendo demasiadamente um, a pressão acabará em outro…), ora da movimentação da economia; até mesmo questões relevantíssimas de saúde pública influenciaram a construção dos prédios e vilas residenciais. Uma boa leitura a respeito: Eu não tenho onde morar: vilas operárias na cidade de São Paulo, da professora e ex-senadora Eva Blay.
Não faltaram leis tabelando ou congelando aluguéis, obviamente levando à destruição os empreendimentos voltados à locação. Opções legislativas semelhantes pontuaram a história brasileira, aliás, sempre findando no desmantelamento dos investimentos e da oferta de residências (afinal, frase atribuída a Albert Einstein por perfeitamente coerente com a sua filosofia, insanidade é repetir os mesmos erros e esperar resultados diferentes).
Seja como for, os congelamentos e as restrições remanesceram por longos períodos, exigindo muito, muito tempo para que as pessoas acreditassem terem sido afastadas na lei de 1991.
Dentre surtos inflacionários, ganhos espetaculares na aplicação em papéis de renda fixa ou em ações, recessões, quebras de bancos e de empresas e fases de euforia econômica, chegamos aos tempos atuais, em que pessoas precisam morar, mas não podem ou não querem comprar imóveis para isso.
De outro lado, dispensando o Estado dessa obrigação (até por absoluta inaptidão e falta de dinheiro para essa destinação), investidores têm eleito o setor imobiliário como opção segura e de longo prazo para suas inversões; a legislação locatícia é antiga e conhecida, respeitada; os contratos têm oferecido boa garantia e não têm, de modo geral, sofrido com a insegurança jurídica que estapeia outros setores.
Dessa conjunção, têm crescentemente surgido prédios de dono único, destinados à locação residencial: várias unidades, não constituídas sob a forma do condomínio edilício, pertencentes, todas, a apenas um proprietário.
Pois bem. Nada impede a locação dessas várias unidades a vários locatários, ajustando-se vários contratos; essas locações são regidas pela “Lei das Locações”.
Mas, tem surgido recentemente, com a vinda de novos empreendimentos, forte questionamento sobre o rateio das despesas de conservação e de manutenção do prédio: podem ser cobradas dos locatários, desde que tão somente assim esteja previsto no contrato?
Sim, podem, isso está previsto no parágrafo terceiro, do artigo 23 da Lei das Locações, que copio: “§ 3º No edifício constituído por unidades imobiliárias autônomas, de propriedade da mesma pessoa, os locatários ficam obrigados ao pagamento das despesas referidas no § 1º deste artigo, desde que comprovadas”.
Porém, não é suficiente que tão somente esteja contratado o rateio. Esse rateio merece algumas observações e, a primeira, é que as despesas a ratear devem ser comprovadas.
Essa obrigação de comprovar difere do que ocorre com os condomínios edilícios, nos quais o condômino deverá pagá-las; as despesas deverão ser orçadas pelo síndico, prevendo a Convenção qual “a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições”, cabendo ao síndico cobrar os condôminos e prestar contas da movimentação financeira.
Interessa notar que mesmo que o condomínio funcione mal, o síndico seja desatento quanto aos seus deveres, mesmo assim os condôminos deverão pagar as contribuições, afinal a simples existência da propriedade já gera despesas que hão de ser suportadas pelos interessados, os proprietários. A esse respeito, a jurisprudência é tradicional e pacífica.
Mas, nas locações das unidades que não integram um condomínio edilício, o pagamento somente poderá ser exigido se provadas as despesas, diz a lei.
Segundo ponto, quais despesas podem ser consideradas como sendo de manutenção e, portanto, poderão ser cobradas? Novamente, a resposta está na própria lei das locações, que as equipara às despesas ordinárias do condomínio edilício.
Logo, havendo previsão contratual, as despesas de manutenção e conservação serão atribuídas ao locatário, seja um condomínio edilício, seja um edifício não constituído como condomínio edilício, mas constituídos por unidades autônomas de propriedade de uma pessoa. Neste último caso, insiste-se, a comprovação das despesas será condição incontornável da cobrança.
Aqui cabe perguntar: por que essas despesas não são cobradas diretamente, embutidas no valor do aluguel? Quem conhece o país sabe a resposta: os aluguéis, volta e meia foram congelados no passado; os encargos somente o seriam se num passe de mágica não se alterassem salários (dos que trabalham nos prédios e também os indiretos), energia, água, produtos de limpeza usados nos edifícios e assim por diante. Logo, embutir encargos no aluguel significaria que o locador assumiria o risco inflacionário, insuportável, o que geraria litígios infindáveis. Um dia superaremos esse pavor…
Terceiro ponto, essa cobrança pelo locador impõe breve estudo do aspecto tributário. E nesse tópico, a diferença entre consistir ou não um “condomínio edilício” será importante.
Num primeiro vislumbre poderia parecer que as despesas de conservação e manutenção cobradas em edifícios constituídos por unidades autônomas de um só proprietário, seriam iguais àquelas em condomínios edilícios. Realmente, até a discriminação dessas despesas é mais que baseada, copiada da relação de despesas ordinárias condominiais.
Em se tratando de condomínio edilício, os valores que o Condômino Locador receber do Locatário não sofrerão incidência do imposto de renda. Como em matéria tributária a literalidade é crucial, convém mencionar que a exclusão desses valores do cômputo da base de cálculo do tributo está expressa no artigo 42 – IV e no artigo 689 – IV do Regulamento do Imposto de Renda. Essa certeza de exclusão das despesas de condomínio, constante em Instrução Normativa, foi sedimentada quando consultada formalmente a Receita Federal.
Ora, se a legislação tributária há de ser interpretada literalmente (art. 111, do Código Tributário Nacional), a compreensão que repute iguais as situações (entre despesas de manutenção atribuídas a unidades condominiais e despesas de manutenção de unidades não condominiais) não é de ser admitida, numa aplicação rigorosa da lei.
Exatamente nessa linha lógica já decidiu a Receita Federal, quando analisou o tratamento fiscal dado à taxa de manutenção de associação de proprietários e fincou que “o condomínio difere da associação”, concluindo que a “taxa de manutenção da Associação de Proprietários” não é dedutível da base de cálculo do imposto sobre a renda.: parecido não é igual!
Logo, seria perigoso supor que as despesas no prédio com várias unidades organizado como condomínio edilício seria o mesmo que despesas no prédio com várias unidades de um dono somente e arriscar operação com essa base. Espere-se a evolução da interpretação fiscal, será mais recomendável.
Deve ser dito, por fim, quarta lembrança, que o contrato de locação deverá ser transparente (conduta a seguir em qualquer contrato, diga-se), mantendo claro que ocorrerá o rateio dos custos, informando quais serão eles.
Mais: deverá ser comunicado, ainda, onde e quando estarão, à disposição do locatário, as prestações de contas e os comprovantes de despesas. Quanto a isso, tem se difundido a comunicação eletrônica, exatamente como fazem os condôminos (aqui a semelhança é absoluta), perfeitamente suficiente para a prova exigida na lei.
Quinto e último tópico nesta síntese: se as despesas forem consideradas como encargos da locação, é essa a trilha traçada pela lei, e não forem pagas pelo Locatário, isso motivará ação de despejo por falta de pagamento, a certamente agilizar a cobrança se necessário ir a Juízo.
Por fim, uma opinião: os crescentes investimentos em prédios residenciais de um proprietário (não instituídos condomínios edilícios) aumentarão a disponibilização de moradias e exigirão, certamente, diante do interesse social, a reavaliação do entendimento fiscal, passando-se a admitir que o recebimento dessas verbas deixe de compor a base de cálculo do tributo devido pelo locador. Até que tal ocorra, valerão estas observações cautelosas…
Artigo publicado originalmente no site www.imobireport.com.br, em 28 de Junho de 2023.
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