Muito mais eficaz do que fiador
- Jaques Bushatsky
- 25 de mar.
- 4 min de leitura

Com o passar dos anos uma pergunta se tornou repetitiva: qual a melhor garantia locatícia? Desde já, deve ser dito: todas as garantias são boas, o objetivo é que se entenda qual a melhor para cada caso.
Seja qual for a opinião de cada um, a sociedade antigamente respondia majoritária e favoravelmente ao fiador, tendendo nos últimos anos, claramente, a abandonar essa modalidade de garantia, informam as estatísticas.
As razões do abandono da fiança? Convém observá-las, pois ninguém desejará ter os mesmos problemas numa outra modalidade.
Em apertadíssimo resumo, o locador teme: (a) a interpretação restrita do alcance da fiança, certeza prevista em lei (art. 819, do C. Civil) e proclamada pelo STJ (Súmula 214), isto é, somente o que estiver muito claramente expresso no contrato é que será coberto pelo fiador; (b) a possibilidade de o fiador se desobrigar numa série de situações, tais como o divórcio do casal locatário, ou quando faleça o locatário, mas remanesça no imóvel cônjuge sobrevivente – são somente dois exemplos (art. 12, da Lei nº. 8.245/91); (c) a desobrigação facultada ao fiador ao término do período contratado (art. 40- X, da Lei nº. 8.245/91), passando o locador preocupado com o não pagamento a enfrentar um terrível dilema: se o locatário não oferecer nova garantia, convirá mantê-lo ou rescindir a locação? (d) a possibilidade de quando demandado, o fiador ter morrido ou, vivo, já não ter patrimônio penhorável; (e) a oscilação legislativa (já tivemos projetos de lei proibindo a fiança em locações); (f) a oscilação jurisprudencial (foi árdua a batalha judicial, de pouquíssimos anos atrás, para restabelecer a validade da garantia em locações não residenciais).
Já o fiador, também tem seus temores, seríssimos, e não é de hoje: para não nos alongarmos, é de Salomão a citação (Provérbios 6:1-5): “Filho meu, se ficaste por fiador do teu próximo, se te empenhaste por um estranho, estás enredado pelos teus lábios; estás preso pelas palavras da tua boca”. E a recomendação daquele que é tido como o mais sábio dos reis, em todos os tempos: “Faze, pois, isto agora, filho meu, e livra-te, pois já caíste nas mãos do teu próximo; vai, humilha-te, e importuna o teu próximo; não dês sono aos teus olhos, nem adormecimento às tuas pálpebras; livra-te como a gazela da mão do caçador, e como a ave da mão do passarinheiro.”
Talvez antevendo essa tendência, a Lei nº. 11.197/05 incluiu no rol de garantias (art. 37) a “cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento”. Essa possibilidade foi aguardada por diversos agentes, até que surgissem as janelas de mercado para seu uso (surgiram, sabemos) e se criassem condições operacionais para a implantação.
Finalmente chegamos a esse ponto. Mas, sofreria a “cessão fiduciária” os problemas da fiança, ainda a garantia mais escolhida? Afinal, como funciona essa modalidade? Vamos lá:
Primeiro é necessário que se crie um Fundo de Investimentos e se nomeie sua gestão e administração, estabelecendo-se um Regulamento que discipline adequadamente (em termos práticos e em atenção à legislação, dispositivos da CVM etc.) a sua operação. Trata-se de um Fundo de Investimentos com regras, obrigações, roupagem e controles iguais às de qualquer outro Fundo.
Em segundo lugar, os interessados ao aderirem a esse Fundo de Investimentos deverão ser perfeitamente informados sobre a política de investimentos, os riscos, a tributação, a liquidez e, especialmente, o funcionamento. Exatamente como se faz em qualquer fundo de investimentos.
Por terceiro, tendo o Locatário (ou um terceiro) adquirido quotas desse Fundo, as cederá fiduciariamente ao Locador, novamente sendo celebrado um contrato (“de cessão fiduciária”), em que, basicamente, caso ocorra inadimplemento de aluguel não curado em prazo estabelecido, será habilitado o Administrador do Fundo (que não é o locador) a transferir ao credor quotas na importância devida.
O Locatário comparecerá na qualidade de Cedente Fiduciante; poderá existir um Terceiro Fiduciante (se outra pessoa realizar esse investimento, isto é, se um terceiro comparecer com o dinheiro para garantir a locação – tanto faz); o Locador será o Credor Fiduciário. Não existe piso ou teto para esse investimento, o valor da garantia será negociado entre locador e locatário.
Em quarto passo, quando finda a locação, o Locatário poderá levantar o saldo, com o acréscimo da renda incidente no período, exatamente como faria em qualquer Fundo de Investimentos.
Para fins de rápida comparação é necessário perceber que: (1) evidentemente, existirão custos (usuais em quaisquer outras garantias; na fiança ou os custos existem – cobrados por bancos, profissionais, etc. – ou, normalmente, não são monetizados…) mas deverão estar abaixo da rentabilidade do Fundo, situação que não ocorre n´outras modalidades; (2) a contratação dessa modalidade pode ser realizada inteiramente de forma eletrônica e é rapidíssima, pois não exige as pesquisas que seriam exigidas numa fiança ou numa caução imobiliária (aqui referida embora não tão praticada devido a suas peculiaridades); (3) sendo regularmente pagos os aluguéis, o Locatário receberá todo o capital investido (como ocorre na caução de imóveis, resguardadas as características de cada modalidade e lembrados os tempos de liberação em cada modalidade); (4) nessa hipótese, ele também receberá toda a renda advinda do Fundo de Investimentos (única modalidade que oferece essa perspectiva, excepcionados os Títulos de Capitalização e a Poupança, cujas rentabilidades são desestimulantes, em geral); (5) não existe a possibilidade de o Fundo se desobrigar, não importando, por exemplo, se o casal locatário se separou, se o ramo de atuação do inquilino mudou.
Realmente, a prática tem mostrado: empresas sem tradição no país, porém capitalizadas, têm utilizado a “cessão fiduciária”, porque independe de cadastro e é rentável; igrejas, que nem sempre podem contar com líderes que, a par de terem boa vontade, possuam patrimônio que os qualificasse como fiadores, podem utilizar essa modalidade, até porque facilmente resgatável ao fim da locação; empresas com rápidas movimentações em seu quadro social encontraram aí um modo de operar que é contabilizável, resgatável, de fácil avaliação. Deveriam ser abandonadas as outras modalidades de garantia? Jamais, não se trata em absoluto de dizer que “o passado é uma roupa que não nos serve mais” (Belchior), mas sim que essa nova modalidade agrada a um sem número de perfis e que, mantida a metáfora, garantia não é uma roupa unissex tamanho único: para cada um, há de ser usada a mais adequada. E essa, prevista na lei e tão aguardada, agora posta em funcionamento, tem atributos muito interessantes, vantajosos.
*Artigo publicado originalmente no site www.imobireport.com.br, em 24/03/2025.
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